15.4.10

Nada colorida

A cicatriz ainda pulsa, inconstante, sem saber se abre ou se sara. Consequência de um caso banal à alvorada, mas inóspito aos dois jovens. A suspeita virou fato, nós negávamos. Nos negávamos. Síndrome gato-e-rato (agora te quero e depois me afasto). Era tudo medo, pois compartilhavam de uma amizade sólida, findada no dia em que ele a quis colorir - dispôs papel, ela os pincéis; as cores viriam com o tempo. Viriam, se em meio às fibras e celulose destas folhas não houvessem marcas de pinturas passadas, demonstrando que sairam junto à outras (folhas, amantes e histórias). As deformações, intercaladas em profundas e supérfluas, desviavam os traços que nos esforçávamos a fazer, e tornou tudo um esboço, sem a beleza esperada. Ele, ao invés de arranjar um novo caderno, ou ao menos um novo papel, continuava a (tentar) conciliar as tantas artes, já abstratas. Deixou até de ser abstrata, de ser obra, nem mais aventura. Era desgaste, sujeira, borrão, e de tanto apagar e passar por cima, rasgou-se. Havia arrependimento na palavra do artista, mas não havia cacife para mudar ali, diante da mínima esperança que restava. Ela então apenas terminou o feito, picotando o que restava. Pensou em queimá-los, no entanto, fez-se sem fósforo, ignorou os isqueiros e as velas e guardou-os para si. Para agora juntá-los aqui.


(dez/2009)

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